Das oportunidades

Durante a minha infância e parte da minha adolescência, vivi num bairro de classe social média-baixa, bairro esse que guardo algum carinho pelas pessoas que lá moravam e pela segurança que lá existia.
No 3ºpiso, vivia uma família, casal e três filhos, e como era de idade próxima dessas três crianças, eram meus companheiros de brincadeira. Esse casal vivia em sérias dificuldades, violência doméstica ao barulho, sobrevivendo graças as a apoio sociais.

No prédio em frente morava um casal também com dois filhos, sendo a senhora desde há vários anos, a mulher-a-dias cá de casa.

Anos se passaram, eu entrei na faculdade, acabei o curso, voltei a estudar, acabei segundo curso e trabalho já há vários anos.
Tenho um emprego estável, que deveria ser melhor remunerado, mas mesmo assim é perfeito para ganhar uns bons extras por fora.

Os meus antigos vizinhos do 3º andar, foram para o ensino profissional.  A A. é designer de moda, tendo o seu atelier no centro, a P. tem o seu salão de estética/cabeleireiros, o C. é cozinheiro num hotel cá na cidade.
Todos eles com um emprego estável, mais ou menos bem remunerado, mas mesmo assim são praticamente patrões de si mesmos. 

Os filhos da mulher-a-dias, optaram por ficarem pelo 9º ano. O filho trabalha na construção cívil. A filha foi mãe aos 17 anos e trabalha numa fábrica.

E hoje assim do nada, a mulher-a-dias e a filha, resolveram meter a boca no trombone e lá "deitaram as cartas" sobre o que achavam de mim e da minha família. Não falo em discussão nem em acusações nem coisa do género. Foi mesmo um desabafo que me fizeram sobre os sentimentos que têm sobre nós. 
Falaram elas do excesso de oportunidades que eu e a minha irmã tivemos. O facto de não termos passado necessidades. Da sorte de termos dinheiro para viajar, frequentar espaços mais caros, de comprar coisas supérfluas, de trocar de carro com regularidade. Até que a filha disse-me algo que me deixou um bocado abalada como surpreendida. Algo como "Mas numa coisa eu te ganhei! Eu já arrumei um gajo há muito, já estou casada há 15 anos e já tenho 2 filhos. E tu?" Eu limitei-me a sorrir e optei por não dar qualquer resposta. Terá ela me ganho?

Tive a sorte de não ter passado dificuldades, mas tive a sorte de não ter tudo o que queria. E como tal lutei para que as tivesse. Nada foi dado e arregaçado. Só comecei a viajar a sério quando comecei a trabalhar. Só comecei a pensar em ter um parceiro quando acabei o curso. Até então andei vidrada noutras prioridades.

Nunca achei que a vida fosse uma competição nem tão pouco algo que eu possa comparar. Poderia comparar se na verdade tivesse os mesmos objectivos. 
O meu objectivo na verdade nunca foi ser mãe aos dezassete nem tão pouco me casar com essa idade.
O meu objectivo de vida era o mesmo que o do Rei Salomão: ser sábia. A sabedoria nunca foi ser mais esperta que os outros nem melhor que os outros. Ser sábio é usar as capacidades que se tem e fazer delas algo melhor. 
O objectivo dos meus vizinhos do 3º andar seria provavelmente semelhante ao meu. E tenho muito orgulho em ver o quanto cresceram como pessoas. 
As oportunidades aparecem sempre naqueles que lutam por elas. 
Daí que não tenho inveja de quem foi mãe aos dezassete e se orgulhe disso. Tenho pena. 

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